Triste tarde de Verão.
Mais uma triste tarde perdida. Perdida de sentido.
Sinto-me longe de tudo, longe dos outros, longe de mim…
Terminada nesta cadeira empenada que o meu peso mal aguenta, movo a custo as rodas enferrujadas de uma vida de tormentas.
Paro insistentemente junto à janela, embaciada e suja de 3 meses sem ver pano, no desejo de me imaginar lá fora, mais nova e fresca, cheia de vida e esperança.
As minhas duas jóias já partiram há algum tempo.
Uma num trágico acidente faz 6 anos no Domingo. Aquela mesma curva onde também ficaram os meus tios era eu ainda jovem e onde também a Mariazinha, lá da aldeia, vendia o corpo por truta e meia.
A outra jóia faz mais tempo que a perdi. Há 15 anos que o meu Paulinho partiu para Paris e nos últimos 10 anos nunca mais pôs cá os pés ou telefonou sequer a dar notícias ou para saber de nós. Nós que os criamos ! Nós que os alimentamos, que sofremos, que damos tudo por eles, vemo-nos desamparados neste momento da vida !
Com pouco mais de 400€ de pensões, eu e o meu Zé apenas vamos conseguindo sobreviver.
Quase metade gasto em medicamentos para curar os males do corpo, a outra metade em vinho tinto para aliviar os males da alma.
O meu Zé passa as manhãs no Coreto da Praça a jogar à lerpa e ao dominó, e as tardes no tasco do Serafim que ainda aceita fiado.
Raramente vem a casa almoçar e só o vejo já à noitinha quando nem um nem outro faz já ideia de quantos são dois mais dois.
O que ainda me vai valendo é a caridade dos vizinhos que me vão trazendo uma sopinha e uma farinha de pau, quando o rei faz anos, que os meus poucos dentes já não permitem alimentos mais duros.
Aqui à janela vou imaginando e sonhando…
- Olha eu quando tinha 5 anos, aos saltinhos toda contente…
- Olha para mim a chegar da escolinha com a mochila às costas e cheia de vontade de aprender…
- Olha para mim a ir para o campo plantar batatas…
- Olha, sou eu a levar a Joaninha ao infantário.
- E a trazer o Paulinho das escolinhas de futebol do Salgueiros.
- Eu e o meu Zé a caminho do cinema ver pela 3ª vez o filme “Casablanca”
- O Paulinho com a primeira namorada.
- O Paulinho com a segunda namorada.
- O Paulinho com a terceira namorada…
- O Paulinho de partida para Paris.
- A espera pela Joaninha naquela noite fatídica em que ela não regressou…
- O Paulinho, já com a sexta namorada, no Arco do Triunfo a esquecer-se que a gente existe. Já não estava mais a sonhar.
As lágrimas escorrem-me até ao queixo, soluço compulsivamente e grito pelos meus dois anjos, quando subitamente ouço a voz do meu Zé:
“- Albertina, acorda que estás a ter um pesadelo !”
“- O quê ?” – pergunto eu.
“- Estás a delirar mulher !”
“- O Paulinho e a Joaninha ?”
“- Fala mais baixo Albertina senão acordas os miúdos !!!”