Wednesday, April 05, 2006

Aquele lacinho todo tró-ló-ró

Estava no primeiro daqueles dias do mês...
Já há muito que deixara de tomar a pílula mas ainda não me habituara aos fluxos constantemente abundantes que agora chegavam sempre em dias incertos.
Hoje é um desses dias em que o infortúnio me apanhou desprevenida em larga escala.
Felizmente a poucas dezenas de metros da calçada que percorria deparei com um desses poucos mini-mercados que ainda sobrevivem aos efeitos da globalização e das grandes superfícies comerciais. Entrei, algo atrapalhada, já com alguns sinais visíveis da tormenta que se alastrava na minha saia preferida em verde Benetton.
Mentalmente o destino estava traçado como num GPS: secção de higiéne, levantar tampões, pensinhos de abas anatómicas e dodots bébé (fazem milagres em ocasiões delicadas como esta); secção vestuário, levantar cuequinhas sloggi e calças de ganga de qualquer marca.
A vantagem do mini-mercado é que, como o próprio nome indica, a área é mínima e facilmente se encontram as coisas que procuramos. A desvantagem é que nem sempre têm tudo...
Desta vez a sorte não me abandonou e em pouco menos de quinze minutos estava já na caixa registadora para pagar.
À minha frente apenas um homem com umas garrafas de cerveja, uma bola de queijo Limiano, uma embalagem de tremoços e duas baguetes.
Estava quase a terminar de registar os seus produtos quando de repente se vira para a menina da caixa:
"-É pá, esqueci-me do presunto ! Dê-me só um minutinho que eu já volto."
Mas qual minutinho qual quê ! Indignada e desesperada logo intervi:
"Peço desculpa mas estou com muita pressa. Não se importa de pagar primeiro e depois voltar a entrar ?"
É nesse momento que ele se vira para mim, observa-me de cima a baixo (parecendo procurar todos os sinais de fraqueza que eu tanto pretendia ocultar) e diz num tom seguro e arrogante:
"-Desculpe mas a senhora acabou de chegar à fila. Está com pressa volte amanhã ou então vai ter que esperar como toda a gente. Tenha paciência !"
Não podia acreditar no que tinha ouvido, muito menos dito por quem me parecia estar a reconhecer. Eram os olhos, o cabelo e o lacinho todo tró-ló-ró do Zézinho da escola primária ! O mesmo que com 8 anos me havia pedido namoro por trás da sua então timidez, própria de um miúdo da sua idade.
"-Joaninha, queres namorar comigo ?"
Eu era então (e ainda sou) uma rapariga muito pretendida, pois para além de ser bonita pertencia a uma família muito abastada. O Zézinho não tinha nada a ver comigo. Embora de origens pobres, fazia-se passar por menino "bem". Usava uns óculos muito graduados tipo fundo de garrafa de champanhe e esganado ao pescoço um lacinho todo tró-ló-ró estilo Baptista Bastos.
Eu respondi-lhe em tom de troça: "-Zézinho, cresce e aparece !".
E não é que ele cresceu e apareceu mesmo ?
Espadaúdo, musculado, com lentes de contacto e com ar de quem está a singrar na vida ! O mesmo laço que usava há trinta anos atrás mas outra postura e confiança no olhar.
Eu, por outro lado, com 40 anos e já no 3º divórcio, estourei toda a fortuna dos meus pais e ainda não encontrei o homem da minha vida.
Teria sido o Zézinho a minha primeira e única oportunidade que tive de poder vir a ser feliz ? O único que de uma forma desprendida e sincera me disse que facilmente trocaria a sua consola de jogos por meia dúzia de beijos meus ?
"-Zézinho, és tu ? Lembras-te de mim, a Joaninha dos tempos da primária ?"
"-Zézinho ?!! Mas que confianças são essas minha senhora ? Não a conheço de lado nenhum ! Tenha paciência mas eu tenho que ir buscar um presunto. Volto já."
Que desfaçatez. Não se lembrava de mim !
Por momentos tinha me esquecido da situação embaraçosa provocada pelo fluxo que me colheu desprevenida na calçada e estava agora ali bloqueada com as lembraças do Zézinho e daquele homem que não me reconheceu e que em tempos usava uns óculos tipo fundo de garrafa de champanhe e o mesmo lacinho todo tró-ló-ró. Se o tempo podesse voltar atrás...
"-Sim, quero namorar contigo Zézinho !"

2 comments:

Anonymous said...

Bola de queijo Limiano ahhh !!!


Dp passa por cá para levantar o cheque pela publicidade...


1 abraço

Rui

Anonymous said...

Brandão...tu espantas-me!